É muito comum
ouvirmos afirmações como: “ela nem tem corpo ainda” ou “o corpo já apareceu”,
quando se trata, principalmente, das mudanças corporais nos corpos de meninas.
Essas mudanças acontecem principalmente por causa da puberdade, mas enquanto a
puberdade não chega, parece que nós insistimos em invisibilizar as meninas e a
existência de seus corpos. Ser criança parece ser sinônimo de pessoa que corpo
ainda não tem.
A corporalidade
infantil – de quem pode ter infância – é constantemente evidenciada como algo
frágil e incompleto. E você poderia me dizer, mas é isso que o corpo da criança
é, é algo frágil e incompleto. Então eu lhe responderia, completude e força se
mede a partir de onde para você? A criança é sim, completa, enquanto criança.
Ela possui um corpo e nele sexualidade¹. A força do corpo da criança está
justamente em sua flexibilidade e adaptabilidade, já viu o que uma criança pode
fazer com seu corpo nos primeiros anos de sua vida? Nós adultos que vamos nos
tornando cada vez mais frágeis e nossos corpos perdendo o que antes tinham,
tornam-se incompletos.
Entretanto,
quando nos deparamos com uma criança sendo retratada estritamente a partir da
beleza de seus corpos não há como fugir de um certo desconforto, desconforto
esse formatado por uma concepção moral que interdita o corpo da criança. O
interdita ainda mais se ele corre o risco de pedofilia.
Os casos
polêmicos entorno da Revista Vogue Kids e de uma certa propaganda da marca de
roupas infantis Lilica Ripilica são um exemplo claro sobre esse fato.
Há um tempo atrás, uma foto
de uma criança me causou certo desconforto justamente por trazer à tona esses
aspectos. A modelo infantil Kristina Pimenova, de oito anos de idade, estava sendo veiculada nos meios de comunicação como a menina mais bonita do mundo. A
beleza da menina russa realmente é um fato, mas como a exploração dessa beleza
nos toca? Será que a intenção pueril da criança que posa para foto transcende a
interpretação de quem vê a imagem? Não tenho pretensão aqui de apontar caminhos
ou respostas para esse assunto que tanto pode render conflitos internos e, até
mesmo, externos. O que pretendo expor é a minha experiência pessoal – e
intransferível – referente ao meu olhar sobre essas fotos.
Ao ver essas
fotos acima, infelizmente, faço uma conexão com outras imagens que já
circularam pela minha cabeça. Meu cérebro parece ver tal imagem e acessar em
minha memória imagens que remetem uma sensualidade de mulher, com corpo. Então
o corpo da Kristina fica evidente, ela passa a ter corpo e o corpo dela me
incomoda profundamente, já que uma criança de oito anos não deveria tê-lo. O
tipo de imagem que eu acesso é como essa abaixo, da Scarlett Johansson, atriz
norte americana.
Talvez porque na
minha memória eu tenha registrado várias vezes imagens de mulheres, em várias
revistas e outras fontes de divulgação, sentadas ao chão, fazendo carão, nos
olhando fixamente nos olhos, com poses que destacassem suas pernas e evidenciassem
uma sensualidade pulsante. As fotos da menina Kristina, assim como a foto da
Scarlett, vemos olhos fixos na lente – olhando quem olha – e pernas que saltam
despidas em uma pose minuciosamente desproposital, de quem apenas sentou-se no
chão e recolheu as pernas. A imagem da mulher sensual é colada à imagem da
menina, não faz diferença de quem posa, a pose é a mesma, o foco é o mesmo e,
se a foto da Scarlett pode despertar uma atração sensual, a foto da menina deve
ser olhada com a pureza de quem apenas está sentada no chão, pronta para
brincar com as amiguinhas.
E se revertermos
o jogo. Se começarmos a nos lembrar que mulheres por muito tempo foram
retratadas como menininhas pueris para despertar essa atração sensual que a
fragilidade feminina é capaz de provocar. Então seria a pose de Scarlett a pose
segunda, a pose que imita a pose cotidiana de uma criança sem corpo relocada em
uma mulher com corpo. E nesse frenesi do mundo, em que substituímos
significados e esquecemos origens, a imagem da mulher ao chão, sensual, embora
pueril toma conta de nosso imaginário e nos faz reverter nossas compreensões e atormentar
nossas emoções.
Por fim, entre
turbulências significantes e realinhamento de emoções experienciadas em mim, o
que ainda desejo e que as fotos das meninas sejam mais como essa:
Nota:
(¹ Para tanto você pode consultar Sigmund Freud,
por exemplo, em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”.





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